Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
25 de Abril de 2024

TJSP condena Gafisa por atraso na entrega e impõe restituição de 100% dos valores pagos + comissão de corretagem e SATI

Uma compradora de imóvel na planta da incorporadora Gafisa apresentou uma ação de rescisão contratual na Justiça de São Paulo com um pedido de quebra de contrato por ato da vendedora no mínimo de forma inusitada!

A adquirente fechou negócio nas dependências de um estande de vendas com a marca da incorporadora em 26 de janeiro de 2011, sendo certo que o prazo previsto para a entrega do projeto de imóvel era o mês de janeiro de 2014.

Firme no argumento de que a cláusula de tolerância dos 180 dias seria NULA, a autora solicitou a rescisão do contrato por culpa exclusiva da incorporadora Gafisa no momento do protocolo da ação em 24 de março de 2014, além de também pedir a restituição dos valores indevidamente pagos a título de suposta comissão de corretagem e taxa SATI.

Em junho de 2014, curiosamente faltando apenas um mês para o término do prazo de tolerância dos 180 dias, o Juiz de primeira instância proferiu sentença através da qual NEGOU o pedido de quebra de contrato por ato da vendedora, sob o argumento de que NÃO TERIA DECORRIDO O PRAZO DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA dos 180 dias, sendo que tal cláusula era mesmo VÁLIDA, discordando do argumento lançado pela compradora na petição inicial.

Entretanto, vislumbrando evidente ILEGALIDADE na cobrança de valores destinados ao pagamento de suposta comissão de corretagem e taxa SATI, o Juiz condenou a incorporadora na restituição.

Inconformadas, AMBAS as partes recorreram. A compradora (autora) para pedir no Tribunal a declaração de invalidade da cláusula de tolerância dos 180 dias e reiterar a quebra de Contrato pela incorporadora. A vendedora (ré) recorreu para reverter a condenação na devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem e taxa SATI.

Ocorre que quando do protocolo do recurso de apelação da compradora, o que ocorreu em JULHO de 2014, fez juntar nas razões recursais um documento encaminhado a ela pela incorporadora Gafisa, através do qual a vendedora informava que não conseguiria cumprir o prazo de entrega da obra e que o novo prazo era o mês de janeiro de 2015, o que, naquele momento, tornava o atraso simplesmente INCONTROVERSO.

Que sorte!

Pois a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, através do Relator Desembargador Francisco Loureiro, em acórdão datado de 18 de dezembro de 2014, por votação unânime, deu razão ao argumento da compradora e negou provimento ao recurso da incorporadora.

Para o Tribunal, de fato, nada havia de ilegal ou abusivo na cláusula de tolerância de 180 dias prevista em Contrato, notadamente porque sua existência refletia em um COSTUME no mercado imobiliário quando o assunto envolve a compra e venda de imóvel na planta ou em construção, sendo certo que todas as incorporadoras trazem essa cláusula em seus contratos.

O Tribunal declarou que o entendimento jurisprudencial há muito temo existente é no sentido de que tal cláusula é legítima e justificável.

Porém, tendo em vista que a incorporadora havia encaminhado carta através da qual informava o não cumprimento do prazo de entrega nem mesmo dentro do período de tolerância, o atraso por culpa da vendedora era inequívoco, motivo pelo qual era mesmo de se admitir o pedido de rescisão de contrato por culpa da incorporadora.

O Tribunal também afirmou que: “há entendimento sedimentado do STJ e do STF de que, nos termos do art. 462 do CPC, fatos novos devem ser levados em conta pelo juiz e as condições da ação são sensíveis a fatos supervenientes, que devem coexistir no momento da sentença (STF, ADI 3.367, Rel. Cezar Peluso).

E que:

“o fato novo e relevante verificado depois da propositura da demanda é o próprio atraso na entrega do imóvel adquirido pela autora. Quando da propositura da ação, em março de 2014, o atraso ainda não estava caracterizado. Afinal, embora a conclusão da obra tenha sido prevista inicialmente para janeiro de 2014, o contrato contém cláusula de tolerância de 180 dias para a alienante. Em que pese a argumentação da autora, não se pode afirmar que a previsão contratual de referido prazo de tolerância é per se abusiva e, consequentemente, nula. Na verdade, a inserção no contrato de cláusula segundo a qual a incorporadora/construtora tem a seu favor um prazo de tolerância adicional de seis meses para entrega da obra constitui antiga prática, que de tão usada e aceita no meio social já teria a força de usos e costumes.”

“Sendo assim, quando do ajuizamento da ação em março de 2014, e quando da prolação da sentença em junho do mesmo ano, o atraso ainda não estava configurado, porque ainda não havia transcorrido integralmente o prazo de tolerância de 06 meses.”

Rejeitando a linha de argumentação da incorporadora Gafisa, no sentido de que a demora na expedição do “habite-se” ocorreu por culpa da Prefeitura (sempre a Prefeitura, não é mesmo?), o Tribunal admitiu a ocorrência de ATRASO SUPERVENIENTE e declarou a rescisão do contrato de promessa de venda e compra por culpa exclusiva da vendedora e assim sendo, impôs sua condenação na restituição à vista de 100% dos valores pagos em Contrato pela compradora, acrescido de correção monetária desde cada um dos pagamento (correção retroativa) e juros legais de 1% ao mês desde a citação até o mês do efetivo pagamento.

Sobre a questão afeta à devolução das comissões de corretagem e taxa SATI, rejeitando a linha de argumentação da defesa no sentido de que a incorporadora não poderia devolver algo que não havia recebido, o Tribunal entendeu que a Gafisa tinha mesmo o dever de arcar com a restituição “em que pese as quantias mencionadas tenham sido entregues a terceiros que participaram da intermediação do negócio, é certo que os mesmos agiam como prepostos da ré e no interesse desta, de modo que a promitente compradora pagou na confiança inspirada por sua qualidade. Mais do que isto, a apelante deve restituir à requerente o montante pago a título de comissão de corretagem e taxa SATI em virtude de sua obrigação de reparar as perdas e danos advindos do inadimplemento culposo do contrato.”

O Relator do acórdão ainda declarou, sabiamente que: “Assim, mesmo tendo sido pagas a comissão e a taxa SATI a pessoas diversas da recorrente, deve esta devolver à demandante a quantia adimplida a tal título, sob pena de não restar a autora integralmente ressarcida dos prejuízos sofridos. Ademais, não se pode olvidar que quem contratou os serviços de intermediação e de promoção de vendas foi a empreendedora imobiliária, e não a promitente compradora. Os corretores são treinados pela construtora, atuam em stands de vendas por ela montados, falam em seu nome e tentam vender os seus produtos. Inviável a empreendedora alegar, no momento em que o contrato se frustra, que a promitente compradora contratou e pagou diretamente a corretora, invertendo o que de fato ocorre e toda a lógica da comercialização de apartamentos em construção.”

Finalizou a decisão com a declaração de quebra do contrato por culpa da incorporadora, condenando-a na restituição integral de todos os valores pagos entre parcelas do Contrato + comissões de corretagem + taxa SATI, tudo acrescido de correção monetária desde cada pagamento – correção retroativa – e juros legais de 1% ao mês desde a citação da empresa até o mês do efetivo pagamento.

A parte curiosa do presente caso é o fato de que a autora da ação tentou obter a rescisão do contrato fundada em premissa equivocada, pois deveria saber, antes de tudo, que infelizmente o entendimento que prevalece em nossos Tribunais – hoje mais do que nunca! – é pela validade da cláusula de tolerância dos 180 dias, justamente, como fundamentou o Relator do acórdão, em uma questão de costume e aceitação da existência dessa tolerância no mercado imobiliário como um todo, motivo pelo qual, teoricamente, a autora da ação perderia o pedido de rescisão, já que foi motivado na suposta culpa da incorporadora.

Por sorte, quando do protocolo do recurso de apelação, a autora recebeu uma carta da vendedora, através da qual atestava que nem mesmo dentro do prazo de tolerância conseguiria cumprir sua principal obrigação, consistente na entrega do imóvel dentro do prazo limite existente no Contrato, daí porque o Tribunal, analisando tal documento, entendeu que houve prévia confissão da vendedora e o pedido de rescisão contratual feito pela autora por culpa exclusiva da incorporadora seria justificado, senão inicialmente, posteriormente ao julgamento da causa em primeira instância.

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (Especialista em Direito Imobiliário)

  • Sobre o autorAdvogado especialista em Direito Imobiliário e Consumidor
  • Publicações645
  • Seguidores516
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1023
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/tjsp-condena-gafisa-por-atraso-na-entrega-e-impoe-restituicao-de-100-dos-valores-pagos-comissao-de-corretagem-e-sati/163767114

Informações relacionadas

Freelancer Jurídico, Advogado
Modeloshá 2 anos

[Modelo] Contestação Cumulada com Reconvenção com Pedido Liminar

Neilton de Almeida, Advogado
Modeloshá 6 anos

Contestação à ação de alimentos

André Victor Vieira Sátiro, Advogado
Modeloshá 8 anos

[Modelo] Constestação de revisional de alimentos cc reconvenção

Tribunal de Justiça de São Paulo
Jurisprudênciahá 2 anos

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC XXXXX-74.2021.8.26.0224 SP XXXXX-74.2021.8.26.0224

10 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Excelente texto.
Me preocupa esse tal de COSTUME, já que não sou contra mesmo um prazo para eventual atraso, mas acho que não devia ser mais do que 10% do tempo da obra. Assim, por padrão uma obra de 30 meses deveria ter 3 meses de tolerância, porque para a construtora fica tranquilo esse meio ano. Não precisa correr atrás de atraso.
Também me assombra outros costume praticado pelo mercado, tais como:
1) Cobrar indevidamente a SATI, já que não existe o serviço prestado
2) Cobrar a Comissão de Corretagem no imóvel na planta, ainda distribuído na forma de cheque para várias pessoas que você não conhece e jamais irá conhecer. Como essas pessoas podem falar que estão prestando qualquer serviço?
3) Cláusula sem contrapartida, a exemplo da devolução de 80% do que você pagou (quando não é 30% ou 50%). Independente de ser considerado abusivo, o tribunal considera reter de 10% a 30% legal. Tudo bem, mas porque no caso em que a construtura não cumpre o contrato, não é obrigado a devolver 130% do valor pago, sendo que devolver 100% apenas devolveu o que não entregou (no exemplo desse texto). Garanto que se fosse a compradora que desistisse, pagaria os 30% de multa pela devolução. Então, porque a construtora não fica sujeita a essa multa?
4) Embutir no preço de "custo da obra" um valor muito superior a um apartamento no mesmo local e pronto. Ou seja, na prática, você já esta pagando por uma previsão do preço quando a obra acabar. Então, além do lucro da construção, a construtora acaba tendo um lucro sobre um possível custo do metro quadrado no futuro. O resumo desse costumo, é que quando a obra acaba, você pagou por algo de valor superior ao que compraria se esperasse a construtora aprontar o apartamento e você comprasse ele.
5) Vender (ou enganar, o que o leitor preferir) um apartamento com prestações que não fazem sentido monetariamente. Ex: Uma grande construtora que anuncia na Globo, nas manhã de domingo, vendendo apartamento por R$ 700,00/mês sendo que isso não paga uma fração da correção monetária durante a construção. Nesse pacote, vem de brinde, não se preocupar se quem compra vai poder financiar na época da chave, já que o valor nas chaves, será maior que o valor da venda hoje.
Enfim, o que acaba sendo considerado COSTUME, num Pais onde impera a Lei de Gerson, o sinonimo de costume acaba sendo: pilantragem. Qualquer semelhança com o costume de nossos políticos, é mera interpretação do leitor. continuar lendo

De fato, vivemos num país onde as diferenças são enormes. Teoricamente compete ao Poder Judiciário diminuir essas diferenças e no mercado imobiliário, onde atua há anos, são raros os casos em que vi algum Juiz ou Desembargador anular a cláusula de tolerância. Informo a título de mera curiosidade que cerca de 95% de TODOS os contratos de promessa de venda e compra a preveem. Mas o que mais entristece quando falo com qualquer comprador de imóvel na planta são as inúmeras falhas no momento da venda, sempre nas mãos dos corretores. Alguns dizem que não há tolerância (sério?) para a entrega da obra, outros afirmam que as parcelas serão fixas, enfim, vários absurdos onde no Contrato consta tudo diferente do que o comprador ouviu no estande de vendas. Felizmente, por outro lado, parece mesmo que nosso Judiciário refletiu melhor sobre a questão da cobrança de valores destinados ao pagamento de supostas comissões de corretagem, de forma que passou a determinar a restituição disso aos compradores em larga escala. continuar lendo

Ivan,

A única forma de coibir definitivamente esses abusos, ao meu ver, seria a partir de uma condenação que a construtora receba em um julgamento, e provada a "imparcialidade" (para não chamar de picaretagem), a penas fosse estendida aos outros contratos do mesmo empreendimentos, sem necessidade de uma nova ação. Algo como hoje aparece nos EUA, que deve atingir o Petrolão. Uma vez um processo ganho, isso será estendido a todos os outros (americanos, óbvio) que forma "tungados" pelo petrolão.
Se isso fosse feito, passaria a não valer mais a lei de Gerson utilizada pelas construtoras. Mesmo os juízes dando o ganho de causa para uma falcatrua tão óbvia das construtoras, não vai resolver, porque poucos vão abrir processo contra a construtora, porque existe um custo grande para isso, que é o tempo perdido que não depende do resultado de tal ação. Hoje, a construtora só tem a ganhar roubando seus clientes, infelizmente.
Agora, promessa de corretor/vendedor, não conta, já que não estão escritas. O duro, é ter que pagar a Comissão de Corretagem para alguém que você não contratou, não conhece e nitidamente esta contra você.

Milton continuar lendo

Está mais do que na hora de se criar um órgão que FISCALIZE efetivamente essas construtoras. O número de cláusulas contratuais abusivas é imenso, além de ser um setor que mais DESRESPEITA o consumidor.
Este é um nítido caso de absoluta fragilidade e desigualdade entre as partes contratantes, além de ser um dos setores mais sensíveis da sociedade.
Urge que o Estado tutele melhor os interesses dos compradores, sempre explorados nessa relação sabidamente desfavorável. continuar lendo

Incrível é que a Justiça ratifique esse tal COSTUME acerca da cláusula de tolerância de 180 dias.

O contrato é de adesão, todas elas se fecham num acordo semelhante a um cartel e simplesmente impõe tal cláusula ... e ai daquela que não o fizer pois vai sofrer represálias nos bastidores.

A cláusula não prevê contrapartida e não se pode achar que é risco do consumidor exclusivamente ... é muito mais dela construtora, pois o consumidor em nada poderia intervir no procedimento de construção, firmação de contratos entre construtoras e fornecedores, prestadores de serviço, mudanças no projeto ou de acabamento, etc.

O que a construtora faz é repassar parcela do seu risco ao consumidor e a Justiça diz OK. continuar lendo

Concordo em gênero e grau. Aliás, tenho também outros bons argumentos para a invalidade dessa cláusula, porém, nosso Judiciário tem outro entendimento. Afirmam, reiteradamente, que por uma questão de costuma e por serem os empreendimentos obras de grande porte (alguém conhece alguma obra de apartamentos como sendo de pequeno porte?) e por não ser exatamente possível a qualquer construtora prever que naquele determinado prazo todo o empreendimento estará entregue aos compradores. continuar lendo

Pois é, aí vem a pergunta: porque então as construtoras não preveem o prazo de um ano a mais do que o inicialmente previsto como margem de erro?

A resposta é que em nosso mercado outro costume surgiu: o de "entregar" prédios em 2 anos.

Aí levam 3 ou mais e ficam chorando no colo do Judiciário, que vergonhosamente prefere a propaganda enganosa à transparência.

Cria-se assim um prazo fictício, que sabe-se não será respeitado, o que está no contrato, pois quanto menor o prazo mais isso atrai o comprador, assim, anuncia-se 2 anos, no máximo 3 se for um prédio residencial. continuar lendo

Será que o Judiciário, observando a equidade, passará também a reconhecer o direito de o adquirente do imóvel atrasar em até 180 dias, sem ônus, o pagamento de suas prestações? continuar lendo

Caro Anderson,

Seria uma maravilha se fosse assim ... mas eles estão querendo é retirar do Judiciário qualquer interpretação sobre valores, o que eles querem é fixar em lei pra os juízes agirem iguais a robozinhos. continuar lendo

É lamentável que os nossos tribunais tenham sedimentado um posicionamento tão absurdo sobre a legalidade da cláusula de tolerância de 180 dias.

É cediço, que trata-se de uma cláusula abusiva, visto que existe no instrumento um prazo determinado (2 anos, 3 anos...) para a entrega da coisa, cujo descumprimento geraria ao promitente adquirente o direito a rescindir o contrato, sob pena de ser um ônus demasiado para o consumidor, com supedâneo no art. 51, I, IV do CDC.

Ademais, adentrando na esfera da oferta é evidente que trata-se de uma informação enganosa com o fito de angariar interessados, haja vista que a entrega do bem, se ocorrer, será dentro do período de tolerância.

Por fim, gostaria de adentrar num ponto fundamental muito corriqueiro neste negócio jurídico, os vícios de qualidade do imóvel quando é entregue ao adquirente, a lista é longa! continuar lendo